Apelação Cível em M.S. n. 2012.018448-2, Barra Velha
Desembargador Relator: Newton Janke
Procuradora de Justiça: Gladys Afonso
Egrégia Câmara de Direito Público
Eminente Desembargador,
Cuida-se
de recurso de Apelação interposto por SAMIR MATTAR, em razão da sentença
proferida nos autos do Mandado de Segurança n. 006.11.002701-4, impetrado
contra ato apontado como coator, atribuído ao Presidente da Câmara Municipal de
Barra Velha, que denegou a segurança pleiteada, a qual visava à nulidade da
sessão de julgamento do dia 12.08.2011 e à consequente nulidade da votação
atinente ao processo de cassação do mandato do recorrente.
Nas
razões do recurso, pugnou o Apelante pela reforma da sentença, aduzindo a
violação ao devido processo legal, porquanto o julgamento que se pretende
anular, contou com a participação e o voto de vereadores que anteriormente
haviam se declarado impedidos no processo por motivo de foro íntimo. Assim,
sustenta que a declaração de impedimento deve prevalecer por todo o processo,
sendo inaceitável a mudança repentina de opinião dos vereadores.
Nesse
passo, o recorrente ressalta que a subtração dos quatro votos dos vereadores
que declinaram da participação no julgamento, os quais deveriam ser
considerados em branco, resultaria em quórum insuficiente para a cassação.
Deste modo, aduz a nulidade da indigitada sessão e da votação realizada, assim
como dos atos subsequentes, posto que eivados de vício.
Às fls. 913-917, pugnou o apelante
pelo recebimento do recurso de apelação também no efeito suspensivo, o que foi
indeferido pelo Julgador a quo na decisão interlocutória de fls.
927-928, o qual recebeu o presente recurso, portanto, no efeito exclusivamente
devolutivo.
Apresentadas contrarrazões pela Câmara
de Vereadores de Barra Velha, bem como manifestação do Ministério Público de
Santa Catarina em primeiro grau, vieram os autos para análise e parecer.
O recurso de Apelação interposto é
próprio e tempestivo, razão pela qual merece ser conhecido.
Infere-se dos autos que o ora apelante
impetrou mandado de segurança por ato dito coator do Presidente da Câmara
Municipal de Barra Velha, sustentando a nulidade da sessão de julgamento que
resultou na cassação de seu mandato eletivo, porquanto os vereadores votantes
teriam anteriormente se declarados impedidos de participarem da comissão
processante instaurada para a apuração dos fatos inerentes ao exercício do
cargo em questão.
Negada a segurança postulada, o
apelante insurgiu-se por meio do presente recurso, repisando as alegações
delineadas na peça exordial.
Da análise dos autos, verifica-se que
Nilson Rocha, Adilson Madruga de Souza, Benício Neto e Antônio de Góes Corrêa,
eleitores do Município de Barra Velha, relataram, às fls. 51-53, diversas
irregularidades concernentes ao mandato do Prefeito Municipal Samir Mattar, ora
apelante, requerendo, ao final, a instauração de comissão processante destinada
à apuração das denúncias formuladas e à subsequente aplicação das medidas
cabíveis, restando esta devidamente aprovada pela Câmara de Vereadores na
sessão ordinária realizada no dia 17 de maio de 2011.
Outrossim, afere-se da ata n. 26, referente à indigitada
sessão, que os vereadores Jair Irineu Bernardo, Eurico dos Santos, Nivaldo José
Ramos e Douglas Elias da Costa declinaram da participação como membros da
Comissão Processante ora instalada.
Não obstante, na ata de sessão de
julgamento constante às fls. 729-749, constata-se que os supracitados
vereadores estavam presentes e votaram pela aprovação do relatório final
apresentado pela Comissão Especial Processante, decidindo, destarte, pela
cassação do mandato do denunciado.
Entretanto, em que pese a precedente
declinação de participação dos supracitados vereadores, isto não nulifica a
sessão de julgamento, como pretende o apelante. Isso porque, conforme se infere
da ata de aprovação da comissão processante, os referidos vereadores não se
declararam impedidos para a votação em comento, declinando tão somente da
participação do sorteio dos membros da comissão.
Nesse sentido, importa destacar que, nos
termos do Decreto-Lei n. 201/67, será constituída Comissão Processante
destinada à apuração dos fatos relatados na denúncia e apresentação de
relatório final, sendo que posteriormente convocar-se-á sessão de julgamento,
na qual os vereadores e o denunciado poderão se manifestar oralmente.
Assim, observa-se que o sorteio dos
membros participantes da comissão é momento antagônico ao da efetiva votação
quanto à aprovação do relatório final, da qual participarão os vereadores
presentes, excetuando-se apenas os incidentes nas hipóteses legais de suspeição
ou impedimento, o que não é, contudo, o caso dos autos sub judice.
Com efeito, os vereadores ditos
impedidos pelo recorrente ou, mais tecnicamente, suspeitos por motivo de foro
íntimo, declinaram da participação da comissão processante, o que,
indubitavelmente, não lhes extrai a possibilidade de votar na sessão de
julgamento, vez que se tratam de situações diversas, não subsistindo a aventada
vedação ao longo do processo de cassação.
A respeito do tema, já decidiu o
Egrégio Tribunal de Justiça:
APELAÇÃO
CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA - PROCESSO ADMINISTRATIVO - CASSAÇÃO DE MANDATO
DE VEREADOR - COMISSÃO PROCESSANTE - IMPEDIMENTO DE ALGUNS VEREADORES -
SESSÃO DE JULGAMENTO - PARTICIPAÇÃO - AUSÊNCIA DE VEDAÇÃO LEGAL - INVERSÃO
DA ORDEM PARA OUVIDA DE TESTEMUNHAS - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO - NULIDADE
DO PROCESSO ADMINISTRATIVO - INCABIMENTO - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (grifo nosso)
Nesse viés, do corpo do supracitado
acórdão, extrai-se da fundamentação utilizada pelo então Julgador a quo para
refutar a tese de que o impedimento suscitado na instauração da comissão
perduraria quando da sessão de julgamento: “Interessante atentar também para o
fato de que a declaração de impedimento pode ser uma manobra, muito usada nos
meios parlamentares, para evitar que a Câmara possa concretizar o processo de
cassação, através do expediente de sonegar membros para a respectiva Comissão
Processante. Na posterior sessão do julgamento, porém, deverão votar todos os
vereadores, salvo os legalmente impedidos. (...) Logo, o impedimento em
participar da comissão processante não implica em impedimento na votação
durante a sessão de julgamento, salvo na hipótese de o vereador ter sido o
próprio denunciante.”
Assim, não há que se falar em nulidade
da sessão de julgamento ou desconsideração dos votos emanados dos vereadores
tidos como impedidos, vez que a vedação anterior não resulta na impossibilidade
de votar na sessão de julgamento, restando ausente, por conseguinte, o impedimento
sustentado pelo apelante. Destarte,
preenchido o quórum necessário, a aprovação do relatório final e
consequente cassação do mandato mostram-se cabalmente hígidas.
Ademais, diversamente do que sustenta
o apelante, trata-se de hipótese diversa a de um processo judicial em que o
Magistrado declara-se suspeito para a análise da demanda e, em um segundo
momento, a julga. O caso em tela cuida, de fato, de declinação na participação
de comissão processante, a qual, incumbida de apurar os fatos e emitir parecer
final, deve ser composta, outrossim, por membros desimpedidos, a fim de obter a
indispensável parcialidade na produção probatória, bem como a garantia da plena
defesa. Ocorre que a recusa de determinados edis para compor a comissão não
obsta, todavia, a participação destes na sessão de julgamento, na qual devem
votar todos os vereadores.
Desta forma, não restam dúvidas de que
a declinação na integração da comissão processante não inviabiliza a ulterior
participação na sessão de julgamento, razão porque não se vislumbra, na
situação especificamente analisada, direito líquido e certo a amparar a
pretensão erigida via ação mandamental.
Ora, a impetração de mandado de segurança
pressupõe a existência de direito líquido e certo, que se caracteriza por ser
comprovado de plano, apresentando-se, desde o início, com todos os requisitos
para o seu reconhecimento e exercício.
De acordo com Hely Lopes Meirelles, “Direito
líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na
sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras
palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há
de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições
de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão
ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e de fatos
ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser deferido
por outros meios judiciais”[6].
Ante o exposto, opina o Ministério
Público pelo conhecimento e desprovimento do recurso de Apelação.
Florianópolis, 09 de abril de 2012.